Reflexões sobre privacidade na adolescência: riscos e segurança.

Alessandra Camargo Costa

Quando um filho nasce, toda a sua segurança e proteção depende de um outro ser que dedica cuidado a ele. A maternagem e paternagem devem garantir a alimentação e condições mínimas para que este ser sobreviva e continue sua trajetória rumo à autonomia.  

 

A partir do crescimento e desenvolvimento natural da espécie, este indivíduo irá começar a explorar o mundo com sua curiosidade e ânsia por novas experiências. Ganhos do desenvolvimento neurobiológico permitem que a criança comece a desbravar os espaços, apropriando-se de suas novas habilidades físicas e cognitivas para conhecer o mundo ao redor e aprender com as novas experiências. Nesta relação, iniciamos doando todo o nosso corpo, nosso seio que é alimento e aconchego, nossas horas de sono e diversão, nossa vida. Eles vão crescendo e já não querem tanto colo, sentam e se arrastam para longe de nós, engatinham e voltam quando se sentem inseguros, até que aquelas duas perninhas estão mais fortes e se lançam correndo, desbravando o mundo. Se não soltarmos a mão, eles não descobrirão as forças das próprias pernas.  

 

Neste processo, pais já começam a perceber a importância de abrir espaço para algumas escolhas da criança e vão se deparando com a difícil arte de educar, dosando acolhimento às necessidades do filho e limites que os protejam das ameaças do mundo.  

 

Queremos filhos fortes e que tenham resiliência diante das adversidades da vida, mas, ao mesmo tempo queremos protegê-los dos perigos reais e do sofrimento. Como dosar de forma adequada? O quanto devemos deixá-los passar por situações de desafio e pequenos riscos sem comprometer sua segurança?  

 

Devemos acompanhá-los de perto, oferecer nossa sabedoria e experiência e ter ciência de qual fase estão atravessando na vida para identificarmos a justa medida entre o afrouxar e o segurar as rédeas. Muitas vezes, o mais fácil é fazer por eles, é avisá-los para que não sofram. Qual o objetivo na reta final da adolescência senão alcançar a autonomia e maturidade rumo à independência das figuras parentais? Precisamos lembrar que eles vão se descolando gradativamente de nós e que, à medida que crescem, estaremos perdendo também o controle de suas vidas, de suas escolhas. É isso que esperamos, mas, de forma ambivalente, muitas vezes lidamos com as situações sem lembrar que eles são seres únicos, diferentes de nós e que precisam viver os próprios erros e fracassos. Temos que ter ciência do nosso importante papel, mas eles não viverão 24 horas grudados em nós. Precisarão viver experiências diversas da sua individualidade e da coletividade.  

 

Na puberdade e com as mudanças inerentes desta fase, existe um corpo em transformação, o desabrochar da sexualidade e a busca por privacidade. Naturalmente, em fases anteriores, sem percebermos, ensinamos a nossos filhos conceitos do que fazemos em nossa privacidade, o que compartilhamos publicamente ou o que fazemos em contextos da coletividade. Vão crescendo e se sentindo constrangidos em situações de muita exposição. Já não querem mais cantar e fazer showzinho na frente de toda a família. Escondem conversinhas com paqueras e vão buscando momentos no próprio quarto e com a própria  individualidade. São movimentos importantes para a construção da própria identidade, mas que provocam medo nas figuras parentais. Crianças nativas digitais já começam a experimentar essa fase de adolescência dotadas de celular, computador, com perfis em redes sociais onde muitas trocas acontecem sem que elas precisem sair de seus quartos. Precisam viver suas histórias privadas e querem ter suas experiências secretas de adolescência, mas até onde isso deve ser respeitado?  

 

Será que pais precisam ter ciência de tudo o que acontece no universo particular de seus filhos?  

 

Convido os pais a se perguntarem se seus próprios pais souberam de tudo que eles fizeram na adolescência. Convido os pais a refletirem se gostariam de que os próprios  pais soubessem de todas as fofocas que foram ditas pelo celular, todas as artes que foram feitas na escola e que eles não descobriram. Atualmente, esse espaço particular está cada vez mais extinto. 

 

As escolas informam aos pais cada passo dado pela criança. No berçário, relatam o que comeu ou não comeu, se teve conflito com o coleguinha em sala de aula, se fez cocô ou se dormiu à tarde. No fundamental, enviam e-mail ou escrevem na agenda se fizeram a lição, se chegaram atrasados à aula pós- recreio. Aquele espaço para a pequena transgressão sigilosa já não é mais possível. Pais são informados de cada tropeço ou falha do filho e, muitas vezes, ficam perdidos em como reagir à situação. Devo dar bronca e punir algo que aconteceu no ambiente escolar?  

 

As festinhas e reuniões grupais são fotografadas e encaminhadas imediatamente  aos pais dos colegas convidados nos grupos de WhatsApp , tirando toda a magia e graça que a criança tem de contar, com suas próprias palavras, o que viveu quando chegar em casa. Adolescentes de ensino médio não podem dar uma escapadinha pra casa da namoradinha à tarde sem que seus pais descubram já que seu celular tem localizador. Mães desesperadas não se contêm nos seus grupos de WhatsApp perguntando a matéria da prova, relatando fofocas da sala para as outras mães e muitas vezes antecipando fatos acontecidos que seus filhos ainda nem contaram para elas do ambiente escolar e pedagógico. Será que a ânsia em protegê-los e fazer parte de seus mundinhos  não está chegando a níveis desproporcionais de controle? Será que a vivência de privacidade e individualidade não deve ser minimamente respeitada? Quais os limites?  

 

Esse é um convite à reflexão e não pretendo chegar aqui a uma resposta única ou soluções. Perigos reais existem e a liberdade deve ser conquistada através de atitudes e gestos responsáveis, mas do micro para o macro, nossos filhos precisam ir ganhando espaço para suas experiências particulares e privadas, tendo as figuras parentais próximas, mas não coladas. Devem supervisionar, mas não ser oniscientes de tudo o que acontece com eles.  

 

Precisam confiar nos ensinamentos transmitidos e que eles irão aos poucos lançando mão do que introjetaram ao longo dos anos, sem esquecer que é vivendo os próprios erros, seguindo  a própria trilha que se sustentarão firmes descobrindo suas próprias ferramentas de enfrentamento nas dificuldades que aparecerão pelo caminho.

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