Mãe de primeira viagem

Luiza Helena Cleto

mãe de primeira viagem

“Será que vou dar conta? Imagine só, é tão frágil, desamparado”. Ou então “vai fazer birra, chorar de madrugada, me irritar!”, quem sabe “vai ser a coisinha mais linda, meu anjinho” Em nosso corpo cresce não apenas uma vida concreta, mas sonhos, potências. Um vir-a-ser ocupa nosso ventre num primeiro momento, às vezes, percebido como uma tela em branco, um infinito de possibilidades que nos permitiria preencher da forma que desejar. Ora, não poderia ser diferente que tanta liberdade despertasse medo. Quando temos todas as opções, por onde começamos? Se eu quiser uma criança agitada, vou ter energia para acompanhar? Uma calma, vou me preocupar? Talvez um porto seguro interno nessas hora seja sabermos que não somos totalmente mães de primeira viagem. Isso porque todas nascemos filhas, independentemente de quem cuidou, e tivemos algum mínimo olhar do outro que nos acompanhou durante nosso desenvolvimento. Uma vez nos entendendo como sujeitos e buscando nossos próprios caminhos, esse olhar de cuidado não nos deixa; pelo contrário, passa a nos compor. “Menina, não faz isso! Cuidado pra não quebrar! Cuidado que tá quente!” passam a nos compor ainda que transformados, ao nosso jeito único de ser no mundo. “Preciso ter cuidado pra não quebrar. Nossa, esse aqui deve estar quente, vê lá como vai mexer”. A menina virou mulher, mas para sempre vai carregar sua menina da infância consigo, aquele impulso que nos acomete as vezes e nem sabemos de onde veio. Carregamos a mulher que olha, acompanha, censura, parabeniza, bem como carregamos sentimentos sobre essa figura, que podem aflorar na construção da maternidade. Nunca somos mães de primeira viagem, pois crescer como filha é introjetar uma mãe dentro de si que continue cuidando. Chegamos a nos sentir até machucadas quando não obedecemos esse cuidado interior, ao que chamamos intuição. A situação muda, é claro, quando a criança que vem não somos nós, mas um outro. Um estranho que nos habita, e curiosamente se faz tão familiar. A construção dele como filho se dá ao mesmo tempo de nossa (re)construção enquanto mãe. Nós carregamos a sabedoria da história de cuidado em nós, carregamos a mãe e a filha num mesmo corpo dono de histórias que só nós vivemos. A mãe de primeira viagem foi aquela que ajudou sua menina interior a crescer e ajuda todos os dias, e essa experiência será atualizada na nova maternidade. Mãe chora, mãe ri, mãe sofre, mãe brinca, mãe perde a paciência. Você sabe bem, pois já sentiu tudo isso consigo mesma. Já teve orgulho de si mesma, e vergonha até de sair de casa. Nossa criança interior ressurge na presença do bebê exterior, e isso pode tanto ser prazeroso como angustiante, ou, mais provável, ambos. Independente de como será sentido, a maternidade não começa como uma tela em branco, um vasto campo aberto sem direção. Ela tem o porto de suas próprias experiências de cuidado, quaisquer que sejam, e a orientação que sua mesma criança recebeu. Que agora essa criança interior continue sob orientação da mãe que você já tem introjetada em si, mas que siga agora na companhia de um outro externo que um dia também seguirá seu próprio caminho, mas sempre tendo por base e norte o olhar que recebeu ao longo dessa aventura que é crescer e se desenvolver.

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