“Meu filho quer ser popular”: o olhar do outro na formação da identidade do adolescente

Alessandra Camargo Costa

 

O que significa atualmente para crianças e adolescentes ser popular? Qual o lugar da popularidade na autoestima em tempos onde a quantidade de amigos pode estar valendo mais que a qualidade das relações?  

 

Investimentos em marketing pessoal, identidade visual reforçam a ideia da importância da imagem e do vender a si mesmo como receita para o sucesso. Séries como Black Mirror exploram essa temática de forma crítica ,trazendo o lado sombrio dos excessos na relação com a tecnologia. A experiência de observar e “assistir” nas redes sociais apenas o lado lindo e incrível da vida, faz com que crianças e jovens cresçam com uma visão distorcida da realidade. Estudos recentes também comprovam que testemunhar, nas redes, o “aparente” sucesso e felicidade das pessoas provoca sentimentos de solidão, inveja e insatisfação com a própria vida. Imaginem estes efeitos em crianças e adolescentes sem maturidade o suficiente para terem uma visão crítica sobre esta “exposição editada da própria vida”?  

 

Voltemos ao início. No começo da vida, a relação com um cuidador nos dá o sentido de existência, o sentido de pertencimento e vinculação com o outro. Nosso primeiro “ancoramento” se dá na troca de olhar com a figura materna. A partir desta díade do início da vida, buscamos pelo olhar que  nos acolhe nos momentos de angústia, pelo olhar que reconhece nossas primeiras conquistas e pelo olhar que encoraja nosso movimento de descobertas e buscas de novas experiências. Nossos pais são nossos primeiros heróis. Na maioria das vezes seus elogios e incentivos nos fazem acreditar que temos alguma valia, que temos potenciais e beleza. A criança precisa do estímulo e validação para estabelecer sua base inicial de segurança no mundo e na relação com o outro. O olhar do cuidador ajuda a espelhar para a criança pequena o que acontece com ela, contribuindo com seu processo de autopercepcão. Esse olhar passa a ser elemento estruturante na formação da identidade deste indivíduo.  

 

Todo ser humano quer ser amado e reconhecido. Buscamos reconhecimento e lugares de pertencimento por toda a vida e,  na adolescência, isso se dá de forma intensa. 

 

Adolescentes querem e precisam estruturar sua própria identidade fazendo parte de uma tribo que represente o que ele idealiza e almeja ser naquele momento da vida. Muitas vezes buscam modelos opostos aos das figuras parentais como grito de liberdade e tentativa de diferenciação. Roupas, adereços únicos, tatuagens e estilos de cabelo comunicam uma busca pela própria singularidade. Os pais, aos poucos, deixam de ser os heróis e o grupo social começa a ter uma influência maior. A busca por aceitação agora é dirigida para os amigos e, nesta etapa, a opinião dos pares tem muito valor. Quem são os amigos atualmente? Diferente de anos atrás onde nossas rodas se limitavam aos amigos da escola,  ou do prédio e clube onde convivíamos; as novas tecnologias ampliaram absurdamente as possibilidades de novas conexões. Podemos ter muito amigos virtuais. São muitos olhares que receberemos, mas agora temos a chance de editar a própria vida que queremos comunicar. Os jovens tem a oportunidade de planejar e escolher quais facetas e versões de si mesmo querem compartilhar. Se não são populares na escola, podem tentar alternativas de popularidade nas redes sociais.  

 

A identidade do adolescente tem várias facetas. Uma das personas (máscaras sociais) que acabam inevitavelmente fazendo parte na atualidade é a digital: o perfil que aparece nas redes sociais, imagem- foto do WhatsApp, perfil no Instagram, Snapchat e outras redes. No mesmo app, muitas vezes, eles têm mais de um perfil: o dix, por exemplo, seria um perfil do instagram mais zuado, onde a faceta da gozacão entre melhores amigos aparece de forma mais relaxada.  

 

Não basta ser e vivenciar uma situação nesta etapa, ela precisa ser de alguma forma compartilhada na rede e, a partir do que eu compartilho, eu ganho likes e possivelmente mais seguidores. A busca por mais likes a cada postagem de foto ou stories acontece quase que automaticamente. É gostoso saber que mais pessoas curtiram a sua foto.  

 

Ter mais amigos pode significar ser mais popular?  Nas escolas e círculos sociais se conhece muito mais gente através de suas postagens, mas não necessariamente através de trocas legítimas face a face. 

 

Uma pessoa com muitos seguidores vai se fazendo vista e se torna mais conhecida em outros lugares e grupos. Qual o sentido disso? Ser popular significa ser mais importante ou mais querido?  

 

A popularidade pode acontecer com adolescentes e crianças que tenham habilidades intelectuais, sociais ou esportivas acima da média. Tais competências diferenciadas podem inspirar outras pessoas através de um modelo de admiração, podendo ser uma motivação positiva. O problema é quando o “ser popular” vira uma meta que deve ser atingida a qualquer preço, onde a criança ou jovem entende que isso se dará se ele se tornar algo que não é para conseguir aceitação. Buscam uma suposta segurança em aquisições materiais que precisam ser de determinado tipo ou marca ou assumindo comportamentos que comprometem seu bem-estar físico e mental em prol unicamente de uma aprovação do grupo social. Adolescentes mais inseguros são mais facilmente “capturados” por esta ideia.  

 

Durante esta fase da vida, com tantas angústias e incertezas, precisa-se também de relações próximas e autênticas onde podem ser quem realmente são, permitindo-se expressar suas vulnerabilidades e fraquezas sem medo da rejeição. Ser querido é uma delícia, mas não a qualquer preço.  

 

Qual o papel dos pais neste caminho de autoaceitação? O melhor presente que recebemos é sermos valorizados por nossa própria singularidade e, ainda que esta percepção leve um bom tempo ou as vezes anos pra acontecer, a família tem um papel crucial neste processo.  Se a criança puder viver uma troca legítima com suas figuras parentais, onde exista a validação de suas qualidades mas também um espaço para suas fraquezas, talvez não anseie tanto pela busca de olhares para uma suposta popularidade. Pais que valorizam as peculiaridades e singularidades de cada filho estarão dando o alimento primordial para que eles sintam segurança e tenham amor próprio. Na adolescência, irão vivenciar uma reestruturação de sua autoimagem, uma provável oscilação na sua autoestima que é própria da idade, mas sem ficarem dependentes excessivamente de aprovação externa para seguirem os próprios passos.  

 

Pais também podem ajudar os filhos a tolerar as frustrações naturais da vida, transmitindo a mensagem que viver nem sempre será fácil, que não teremos tudo o que queremos e que muitas vezes também não seremos exatamente como idealizávamos. Pais poderão acolher seus erros e tropeços mostrando que devemos tentar o nosso melhor ainda que os resultados não venham exatamente como queríamos. Ainda que tenhamos ídolos e que nos inspiremos em outras pessoas, podemos encontrar tesouros preciosos dentro de nós e que ser diferente e único pode ser incrível.  A busca incessante por aprovação pode nos desviar de quem somos e nos distanciar dos nosso tesouros mais valiosos. 

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