A morte na cultura ocidental ainda é um tabu. Difícil pensar sobre o assunto, difícil conversar sobre o assunto e, mais difícil ainda, lidar com essa temática em relação às crianças.
Ela (morte) é a única certeza da vida mas parece ter que ficar soterrada em algum lugar sombrio até que venha bater à nossa porta. E agora, mais do que nunca, ela está invadindo casas e famílias sem pedir licença. O medo da morte pela contaminação de um novo vírus e as notícias diárias na televisão contabilizando quantos já partiram pairam como nuvem negra sobre nossos lares. Muitos pais acreditam que esse é um assunto para adultos e que pode ser muito pesado trazer isso para uma conversa com filhos pequenos, entretanto se esquecem que perdas acontecem constantemente ao longo da vida e que podem ser exploradas como oportunidades de aprendizado e desenvolvimento emocional.
Vivemos muitas mortes simbólicas no nosso percurso evolutivo e podemos também viver mortes reais de pessoas queridas antes que essas estejam já em idade avançada. Ainda que o esperado seja morrer “velhinho”, nem só de “esperados” é feita a vida não é mesmo?
Educação que contemple a morte
Uma educação que contemple a morte e tudo o que ela carrega em seu significado trata com mais naturalidade esse assunto que poderá ser abordado desde cedo sem necessariamente ser um bicho de sete cabeças.
Perdemos o peito da mãe no momento do desmame tão precocemente, perdemos cabelos, dentes de leite, amiguinhos que mudam de cidade, outros que mudam de escola. Vivências próprias do crescimento e amadurecimento e outras que aparecem de maneira súbita trazendo sentimentos de tristeza, raiva ou desapontamento.
Sem precisar trazer o assunto de forma mórbida e pesada, uma educação que contemple a morte traz aspectos da finitude, dos ciclos da vida, das perdas e frustrações permitindo que a criança possa expressar seus medos e sentimentos confusos e ambivalentes. Uma educação que contemple a morte, aproveita o cuidado com uma plantinha e o momento em que ela murcha como caminho para falar sobre os processos cíclicos da natureza. Em algumas famílias, a morte de um bichinho de estimação pode ser também uma oportunidade para todos poderem compartilhar suas dores e seus medos.
Pais que abrem o canal para essa temática sem tanto receio, estarão preparando um terreno mais firme para que os filhos cresçam mais resilientes e fortalecidos para lidar com adversidades futuras. Nesse processo, cada família pode abordar o tema adequando o discurso à fase do desenvolvimento em que a criança se encontra, sem mentir ou inventar histórias fantasiosas sobre o que está acontecendo.
Esse momento atual de pandemia traz, não só o risco e medo da morte como perda irreversível, como também impõe a vivência de tantas outras perdas: perda do contato presencial com pessoas queridas, perda de empregos, dinheiro e perda da liberdade de ir e vir. Para as crianças: perda do convívio com os amiguinhos, perda do contato com professores e o ambiente escolar, perda de atividades esportivas, perda do contato com os avós e passeios fora de casa.
O medo da morte é algo que está presente dentro de cada um de nós, mas não precisamos nos paralisar por conta dele e deixá-lo dentro de uma caixinha trancado negando a sua existência. Afastar dos filhos qualquer questão que se relacione com isso é um ilusório mecanismo de proteção. Sair da paralisia significa ir abrindo espaço gradativamente para as emoções angustiantes serem verbalizadas, como também poder olhar todos os recursos e cuidados que estão ao nosso alcance para nos manter saudáveis. Podemos abrir um campo para os dois lados: reconhecer e refletir sobre o que não controlamos mas também poder validar o que conseguimos fazer para nos proteger. Nesse percurso, terá espaço para diálogos sobre as incertezas e inseguranças e também para a descoberta de ferramentas criativas para lidar com as emoções despertadas.
Como dizem os monges e mestres budistas: Nada é fixo e permanente!
Que possamos incluir a habilidade de “lidar” com o imprevisível e com o improvável como algo importante na formação de nossos filhos.
Uma educação que contemple a morte irá contribuir para o desfrute de uma vida muito melhor!