O desafio da relação pais e filhos na adolescência: o Complexo da Lagosta

Gabriela Azevedo

O desafio da relação pais e filhos na adolescência: o Complexo da Lagosta Gabriela Azevedo

Ao terminar um processo de orientação vocacional, um pai me disse “esse trabalho foi importante não só para minha filha, mas também para mim”. E continuou: “pude perceber como sua escolha está realmente alinhada ao seu perfil e o quanto o meu ideal de carreira para ela estava descolado do que ela busca”.

Esta fala nos leva a uma importante reflexão. Para o adolescente, um dos maiores desafios é se apropriar de suas escolhas e para os pais é deixar que ele escolha.

No processo de adolescer, o jovem deve aprender a se autogerir. Com o passar dos anos a supervisão dos pais diminui, e o adolescente ganha autonomia e discernimento para fazer suas escolhas e, ao entrar na vida adulta, conquistar sua independência com segurança.

Mas qual é ponto central deste processo?

O cerne é a formação da identidade do jovem. Este é um movimento de transformação em que o adolescente se percebe deixando de lado alguns interesses e surgindo novos. Percebe o corpo se modificando, sua opinião divergindo da opinião dos pais e dos amigos. Muitos começam a namorar. E no final da adolescência, ele ainda deverá escolher a sua carreira – a primeira escolha da vida adulta que se aproxima.

Embora a adolescência seja uma fase de muitas novidades e conquistas, é também um período de vulnerabilidades, pois o jovem está construindo esta nova identidade, está enfrentando o desconhecido e deve abandonar algumas âncoras que lhe davam seguranças.

A psicanalista francesa Françoise Dolto usou uma metáfora interessante para descrever o que acontece com o adolescente neste processo. Segundo a psicanalista, o jovem passa pelo Complexo da Lagosta. Conforme a lagosta cresce, ela perde sua carapaça e, até formar uma nova, fica desprotegida e exposta.

Neste contexto, Dolto explica: “a adolescência é assim como um segundo nascimento, que irá se desenvolver progressivamente. É necessário abandonar pouco a pouco esta membrana de proteção familiar. Deixar a infância, fazer desaparecer a criança que há em nós é mais do que uma transformação – é uma mutação. Dá-nos por vezes a impressão de que vamos morrer, porque é algo que acontece rapidamente, muitas vezes rápido demais. A natureza tem um ritmo próprio e nós temos que seguir, mas nem sempre estamos prontos. Sabemos o que morre em nós, mas não sabemos naquilo que vamos nos tornar. Sentimos que já nada pode ser como antes e ainda não sabemos bem como poderá ser”.

A família e os cuidados que oferece podem facilitar esse processo. O adolescente precisa perceber que existe uma parceria que lhe permite falar, discutir, questionar, ser ouvido e poder ouvir também. O contexto familiar deve ser um espaço de troca, que fortalecerá a formação da identidade do adolescente e tornará o caminho à vida adulta mais tranquilo.

Adolescer é um processo desafiador e absolutamente encantador, é ora um processo de descobertas, ora de vulnerabilidades. E os pais acompanham esta transformação, ora querendo proteger, ora querendo desprender.

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